sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

A Juventude e a Política - com Marilda Silva Costa

Olá pessoal, para aprofundar essa questão toda, nós fizemos uma entrevista com a Professora de Ciências Políticas, Marilda Silva Costa para nos explicar uma questão mais geral do movimento estudantil.
O que ela nos disse?

- O Contexto

Ela disse que o movimento estudantil começou efetivamente mais organizado do que hoje, inicialmente em Paris, na década de 60, 70 e era uma situação muito diferente da atual. Havia uma excitação alta dessa geração Pós Segunda Guerra, uma postura muito forte de esquerda. Como exemplo, até hoje na Itália encontramos divisões administrativas governadas pelo Partido Comunista, que são chamadas de Comuna da Itália.

No Brasil, o contexto era a ditadura militar, e em 1968 especificamente, o AI-5. Intelectuais, lideranças políticas e líderes sindicais estavam ou presos, ou mortos, ou exilados. Segundo Marilda, há uma linha de análise sobre países que viviam sob ditaduras militares, que diz que o movimento estudantil surgiu como uma substituição, como uma nova possibilidade, não somente por isso, mas também por isso.

Na década de 80, houve o Consenso de Washington  que relevou a política do neoliberalismo, em que alguns autores chegam até a dizer que houve um “desaparecimento do mundo político”. Sendo que a dimensão política na realidade social, simplificada ao máximo, é a dimensão do coletivo.

O neoliberalismo aprofundou os valores liberais. (que já preconizavam os pensadores do século XVIII como Adam Smith, David Ricardo e John Locke)
Aprofundou o mercado do mundo privado. Os valores de mercados vão recobrindo a sociedade como um todo, e um desses valores é o individualismo. Era a idéia de que o individuo é soberano no plano do social em relação ao mundo político, que é o mundo da solidariedade, o mundo em que as pessoas se organizam, em que você consegue conseguir e ampliar uma gama de direitos.

Há também um consumismo muito grande e todo um discurso, uma propaganda em favor disto, então inevitavelmente as pessoas vão se realizando no mundo privado. O mundo público, do coletivo, vai perdendo espaço.

Isso não é exclusivo do Brasil, mas no caso do nosso país, além da problemática do consumo, da competição, do individualismo; há a cooptação de movimentos sociais, desde o governo FHC e em São Paulo especificamente desde Mário Covas. O único movimento não cooptado até agora foi o MST.
Outro aspecto são as ONGs que acabam recobrindo o espaço dos movimentos sociais. Por a ONG estar ligada ou ao capital do Estado ou ao privado, ela tem autonomia? Por isso também, a força dos movimentos sociais foram-se perdendo.

Depois da Segunda Guerra, por volta da década de 50 na Europa Ocidental, foi-se construindo o Estado do bem-estar social. Que é o Estado que garante direitos e amplia a possibilidade de benefícios sociais. Na Europa atualmente, há um desmanche desses direitos sociais, alguns benefícios cortados, e ai entra a questão do trabalho, do emprego no mundo neoliberal, a crise estrutural de desemprego. 
Ai vai-se tendo perdas na área do trabalho em que o movimento social é fundamental, e são importantes à movimentos estruturais, à Superestrutura da sociedade, mas o movimento que afeta de verdade o Capital, é o movimento do trabalho.


Em razão disto os jovens, filhos desses setores sociais, têm uma dificuldade de organização mesmo na questão profissional. Há uma série de mecanismos sociais que fazem os movimentos sociais serem impedidos, obstacularizados. Desde pequeno a criança entra neste contexto enorme, e não tem como sair facilmente disto, fica na cabeça.

- O Partidarismo

Ela comenta que nas grandes universidades, no geral, os movimentos estudantis estão ligados com Partidos de extrema-esquerda, que acabam esvaziando os movimentos sociais exatamente pela visão absolutamente fora da realidade que eles apresentam.

Os estudantes tem milhares de problemas há resolver, mas não é para fazer a Revolução amanhã, a Revolução não está nem no horizonte. Este pessoal está preso a dogmas do século passado. Precisa haver discussão, isolados não resolvem nada. E no final das contas no âmbito político do Brasil, não temos uma “esquerda-esquerda” com uma proposta viável.

Ela também comenta os movimentos autonomistas, que é uma tentativa de um movimento não decorrer de transmissão de nenhum Partido. Algo que para ela pode existir na teoria, mas na prática é quase impossível.
Para ela, não tem como existir um grupo ou uma pessoa, sem ficar de um lado ou de outro.

- A Política

Nossa sociedade é feita de guetos. Bairros isolados, populares ou condomínios; há pouco contato nos setores sociais. A vida em gueto significa que você está sendo totalizado dentro daquelas condições. Ou gueto, ou periferia, ou da classe média, ou da classe média-alta, porque a alta burguesia, os 2% da população brasileira, não temos nem a menor idéia de como vivem.

No caso dos jovens, para que você consiga entender minimamente o seu lugar na sociedade, as contradições e as ambigüidades, você precisa ter isso vindo da Família e da Escola, duas instituições da nossa sociedade.

A Escola, por exemplo, é uma reprodutora da sociedade como ela é. É a toa que existem cursos de 2 anos em relação à outros cursos mais longos? Não, nada é à toa. O que os professores conseguem, é abrir algumas portas para alguns interessados. Ela diz que o processo vai se aprofundando e há pouco progresso, depois do neoliberalismo. Mas os amigos da área dela sempre a lembram “Não se esqueça das contradições!”

Há também aspectos até fascistas surgindo na sociedade, como “não beba, não fume, não faça nada”. Durante mais de 30 anos lutamos pela tolerância, mas hoje há a inversão disto, é um caminho de Direita.
A Direita não quer movimento social, a não ser um de massa. Um grande líder e todo mundo pensando igual num tipo de Estado fascista. Ela lembra que o fascismo não caiu do céu, ele foi construído historicamente durante anos. Por exemplo, quando Hitler chegou ao poder o fascismo já estava dentro da sociedade.

No Brasil, falamos tanto dos políticos, mas eles só são o que nós somos, nós toleramos. A classe baixa acaba votando em tal político que ajudou quando alguém esteve doente, a classe média, por causa de empregos, etc. São tudo trocas, mercadorias.

Ela também comenta que no mundo político não podemos fazer análises moralistas, é uma questão de quem é que tem poder. A sociedade tem um poder suficiente para intervir de uma maneira significativa? Não tem. Porque está desorganizada, desmobilizada; e no nosso caso específico nós aceitamos também.


- A Sociedade

Ela diz que o jovem, mas não somente este, preocupados com a própria vida, não percebe que muitos aspectos da vida particular só se resolvem no coletivo, no mundo político. Como exemplo, a questão da segurança, pode-se colocar carros blindados, segurança, muro eletrificado, mas os bandidos vão chegar eventualmente. A participação da sociedade no mundo político é garantir direitos e ampliá-los.

No Brasil há uma indústria cultural muito forte. Ela comenta também sobre os aparelhos ideológicos como a Família Tradicional, a Igreja, a Escola na formação dos indivíduos. Ela faz uma brincadeira que os homossexuais que eram tão modernos nas lutas, escolhem como direito casar? Demonstrando a força desta instituição.

Outra instituição são os Meios de Comunicação, que ela comenta que Gramsci já escrevia sobre a imprensa articular os valores dos modelos dominantes, justamente por fazer parte do modelo dominante. Gramsci pelo marxismo vê como a superestrutura é fundamental na manutenção do sistema.
No caso da instituição Escola, poderia a ver uma mobilização partindo dos professores, mas as outras instituições acabam ganhando em termos de força.

Por exemplo, antigamente no curso de História eram 4 semestres de Teoria Política, a liderança sindical da região se formava nesse curso em plena Ditadura. Atualmente somente há um semestre. Ela lembra que não é a toa, é para o mínimo ser passado, não haver essa visão critica aprofundada.

Para ela, os movimentos tem que ter liderança. Elas sempre vieram dos Partidos, mas eles estão mais fracos hoje. E os movimentos sociais viraram ONGs que viraram correio de transmissão do Estado e não há movimento.

O sindicalismo por exemplo, ou foi cooptado pelo Estado ou destruído. Como exemplo, Thatcher sobre os mineiros da Inglaterra, que eram muito bem organizados, ela conseguiu destruí-los neste sentido. Foi um exemplo do que o neoliberalismo conseguiu destruir, e não foi só o movimento estudantil que foi afetado.

- O Jovem

Ela comenta que atualmente há uma grande discrepância entre os alunos de ensino superior, em que alguns alunos até nunca foram em uma exposição de arte, em uma peça teatral, nem leram um livro; a acumulação de conhecimento é pouquíssima.

A massa estudantil não se mobiliza. Quem é que vai se sobrepujar? O setor burocrático e administrativo de organizações como os Centros Acadêmicos por exemplo.
Quando não se tem apoio da base no sentido de mobilização, a burocracia torna-se um poder. Se não há mobilização, atua-se burocraticamente.

E os alunos que não são mobilizados deviam ser questionados; “se não quer discutir as grandes questões políticas do seu tempo, então discuta a micro, que também é importante.”

Ela diz que alguns grupos ainda estão na visão Leninista, não fizeram a crítica. 
Aquela Rússia czarista e camponesa era baseada no direito divino, como não seria um partido clandestino de vanguarda?
Para ela, Rosa Luxemburgo já fez uma crítica na época, não precisava que o muro de Berlin caísse. Mas também não era que os russos estavam fazendo tudo errado, mas devido às condições materiais e sociais da sociedade da época.

- As Mudanças

Continuando sobre Lênin ela comenta a história de que quando ele não estava na Rússia, pouco antes da Revolução escreveu uma carta dizendo que a Revolução demoraria uns 50 anos para acontecer, e 2 anos depois, estourava a Revolução nas ruas da Rússia.

Portanto, na movimentação social há alguma coisa meio subterrânea que não há teoria que consiga captar, porque há contradições e ambigüidades que vão se acirrando e não há como captar, prever exatamente.

Para mudanças, você tem que ter as contradições se acirrando, que já dizia Marx. E a partir disso, se não haver liderança você não transforma nada, vai para o caos. Lembrando que não dá para captar o potencial de mudança, uma mudança em um sentido mais profundo, não necessariamente uma Revolução.

Ela comenta o caráter internacional do marxismo, em que ele já dizia que só existiria a possibilidade das condições sociais se acirrarem quando o planeta inteiro fosse capitalista ou subordinado ao capital, que é algo que estamos começando a chegar agora. O Capital é internacional.

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